Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner

Michelle Zauner é a pessoa por trás da banda Japanese Breakfast, que eu ouvi pouca coisa, mas curti. Aos prantos no mercado, seu livro de memórias, foi publicado aqui no Brasil pela Fósforo, com tradução de Ana Ban. Esse foi o livro escolhido para debate de fevereiro do Leia Mulheres São Paulo.

Eu tenho lido e visto muitas coisas sobre relações familiares nos últimos tempos e está sendo bem pesado. Não gostei do filme Aftersun, mas não tem como dizer que não fiquei abalada. Eu sou filha única, com família espalhada pelo mundo e a que está aqui perto de mim não vale muita coisa. Michelle Zauner também é filha única e neste livro fala da sua conturbada relação com os pais, a doença da mãe e o luto.

Ano passado eu mediei uma conversa com Fabrina Martinez, Tatiana Lazarotto e Helena Machado, autoras dos livros Sabendo que és minha, Quando as árvores morrem e Memória de Ninguém, respectivamente. As três escolheram a morte de um familiar como ponto de partida para cada um de seus livros. Como lidar com o luto? Como não ficar repassando cada detalhe de conversa na mente? Eu demorei a lidar com a morte, mas quando precisei foi como uma bomba explodindo dentro de mim. Não digo que a dor passou, mas diminuiu um pouco. Então cada uma dessas leituras teve um impacto, e coloco o livro da Zauner nessa mesma categoria.

Zauner é filha de uma coreana com um norte-americano. Teve uma criação bastante isolada, a mãe era bastante rígida e ela sabia que seu pai tinha passado por alguns perrengues quando jovem, mas ela não os conhecia direito. Na adolescência ela fugiu de casa, depois voltou, discutiu, bateu de frente, até que se mudou e foi viver do jeito que gostaria. Sair de casa ajudou a melhorar a sua relação com eles.

Até que chega a notícia de que sua mãe estava com câncer. O tratamento foi muito violento e não deu resultado. Ela logo foi colocada em cuidados paliativos e Michelle voltou a morar com seus pais, para ajudar no que fosse preciso e estar com a mãe em seus últimos momentos. Parece que por um tempo elas esqueceram as desavenças e lidaram com essa situação, para a qual ninguém nunca está preparado.

Ela e o pai precisam aprender a lidar um com o outro. Sempre foram os três, a mãe mandona e o pai do lado. Agora são os dois numa viagem, com milhares de coisas não ditas, sentimentos que nunca foram expressados e um vazio.

O ponto mais interessante do livro é como a comida é sinal de afeto. A mãe da autora sempre fazia pratos típicos coreanos, tinha uma receita para ajudar na saúde, outra para uma festa especial e assim por diante. Eu sou a pessoa que ama cozinhar para as pessoas queridas. Eu demonstro meu afeto fazendo os pratos preferidos delas (também leio seus livros preferidos!) e não sei de onde tirei isso. Não tenho lembranças de afeto envolvendo a comida. Tenho lembranças de passar o Natal na casa de familiares, brincar com coelhinhos fofos e no dia seguinte perguntar inocentemente para onde eles tinham ido.

Eu cresci dentro de um açougue também. Parei de comer carne perto dos 19 anos e precisei criar novas receitas e hábitos alimentares. Enquanto escrevo esse texto tenho um pão assando no forno e grão de bico cozinhando. Eu congelo em potinhos e vou usando aos poucos em várias receitas. Eu tenho cadernos de receita escritos à mão e fico muito feliz quando ganho livros de culinária.

Eu sou obcecada com vídeos de receitas. Sempre faço minhas refeições assistindo a algum. A Michelle Zauner cita o canal de Maangchi em alguns momentos. Fiquei feliz porque eu acho que já vi todos os vídeos dessa senhora coreana fofinha. Ela me fez companhia nos tantos jantares solitários de pandemia. Aprendi muito de culinária coreana com ela e ainda sonho com o dia que farei um kimchi vegetariano.

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