Tempo final, de Maylis Besserie

Maylis Besserie é uma escritora francesa que parou para imaginar como teriam sido os últimos dias de Beckett, numa casa de repouso. Ela escreveu tudo isso em Tempo final, que saiu recentemente pela Nós com tradução de Lívia Bueloni Gonçalves (que inclusive estuda Beckett).

Eu sei quem foi Beckett, sei várias de suas citações famosas, sei da existência de Godot, mas nunca li nada dele. Por quê? Não sei, tem tanto autor que eu simplesmente não li e não há motivo algum para isso, tipo a Harper Lee. Os dois livros dela estão na minha estante me encarando há anos.

Mas voltando ao Beckett, me peguei pensando se valeria a pena ler um livro sobre alguém que não conheço, ainda mais um diário fictício. Todo mundo fala que um livro dele ser completo sem a biografia do autor, mas eu não consigo pensar assim. Gosto de traçar paralelos entre a vida da pessoa e o que ela escreve. Como fazer isso aqui? Não sei nada sobre Maylis Besserie e quase nada sobre Beckett. Aí que está a grande graça da literatura, ela funciona independente do que a gente sabe. A escritora da autora é poética, sensível e cheia de memórias, que na minha cabeça são completamente reais.

Ela intercala boletins de médicos, enfermeiras e psicólogos com memórias de um Beckett no final da vida, repensando tudo que passou. “Ele” fala de sua esposa, da sua escrita, da relação esquisita com a mãe e da sua amizade com James Joyce, autor do temido Ulisses (que um dia eu hei de ler). Aproveito para comentar uma coisa aleatória.

No último encontro do Leia Mulheres surgiu a questão dos livros-desafio (estávamos falando de As horas nuas, da Lygia Fagundes Telles, livro que achei dificílimo, porém uma delícia narrativa). Nós que amamos livros sempre temos um título que encaramos como um desafio pessoal. Além de Ulisses, eu tenho Graça Infinita, do homem que amo odiar, David Foster Wallace. Curiosamente, ambos foram traduzidos pelo Caetano W. Galindo aqui no Brasil.

Acho que Besserie, involuntariamente, colocou Beckett nessa categoria para mim. Em várias passagens há comentários sobre os livros dele serem de difícil compreensão. Isso aumentou ainda mais a minha curiosidade de lê-lo.

Lá no Leia falamos que os livros-desafio hoje em dia são mais raros. Será que temos tempo e disposição para eles? Será que eles ainda são escritos, nessa época em que tudo tem que ser dinâmico? Escrevo isso enquanto penso que preciso reler Mrs. Dalloway e Ao Farol da Virginia Woolf, que sinto que não entendi nada da primeira vez e etc.

Tempo final traz aquela narrativa cheia de cortes que encontro nas francesas, de Marguerite Duras a Annie Ernaux, ou seja, fiquei encantada com a sua escrita. Besserie misturou algo que não conheço com algo que me é muito familiar. E fofoqueira que sou, amei conhecer uma vida que poderia ter sido.

4 thoughts on “Tempo final, de Maylis Besserie

  1. Não está perdendo muita coisa em relação ao segundo livro da Harper Lee (é praticamente um esboço do primeiro, sem o mesmo desenvolvimento); quanto à obra de Maylis Besserie, fiquei bastante curioso para ler, pois gosto muito do Beckett e coincidentemente ouvi falar deste livro no mês passado, fico feliz que a Nós tenha lançado a obra em português. Ótimo texto!

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  2. Assisti duas peças dele e são bem BEM densas, muito existencialistas e com um pessimismo papável. Amei rs Preciso revisitar!

    Livro-desafio, pra mim, certamente é o Água Viva da Clarice. Fino e eu nunca consegui passar da página 20, sei lá. Um dia, quem sabe…

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