Comentei em textos anteriores que me parece mais complexo escrever contos do que romances. Posso estar errada, mas a leitura me passa essa impressão. Raramente um começo de narrativa me fisga a atenção logo de cara, preciso de algumas páginas para me ambientar. No conto não há tempo para isso, às vezes é necessário prender o leitor logo na primeira linha. Paulliny Tort consegue exatamente isso com seu Erva Brava, lançado ano passado pela Fósforo.

Como eu disse acima, mal há tempo para retomar o fôlego entre uma narrativa e a outra. A autora te ambienta, te apresenta personagens e situações, e as histórias se desenrolam. Saí de narrativas urbanas de outros livro e fui para o chão de terra de uma pequena cidade de Goiás, Buriti Pequeno. Os 12 contos que formam Erva Brava se passam todos neste universo.
O conto que abre o livro traz pessoas em situação de rua e viciadas em drogas. Partimos então para um casal que vendeu seu rancho e precisa se adaptar à nova moradia. O conto Como nascem os sinos traz um pouco da tradição de uma localidade, que uma pessoa não quer deixar que acabe. Má sorte é um dos contos mais angustiantes que já li. Um homem afunda no silo de soja e precisa esperar que os bombeiros o tirem dali. Eu só tinha visto essa imagem em filmes de terror, nunca pensei em algo da realidade do Brasil.
Carne de paca tem o seguinte trecho: “Às vezes ele ouve rádio depois do almoço, para não se acostumar se desacostumar de todo com conversa de gente, mas ouve baixinho”. As pessoas se acostumam com a solidão, até que algo as tira da normalidade (neste caso, turistas) e as fazem repensar a situação de alguma forma.
Há contos cômicos, como o da mulher que insiste em trazer pombos para a cidade (ela considera algo de cidade grande da Europa). Tort também traz questões como o aborto e a violência doméstica. Mesmo quando a mulher age em legítima defesa, ela ainda é desacreditada. Por outro lado, em outro texto, um homem é rejeitado e não fica agressivo, apenas não entende o que aconteceu. Depois de tantas histórias narrando em detalhes o sofrimento de mulheres, é um alívio ler um conto em que as coisas simplesmente não acontecem e pronto.
Meu conto preferido é o que traz uma benzedeira. No meio de tantas histórias pesadas, é um sopro de ternura. Eu cresci nos anos 90 e me lembro que a Dona Aurora me benzia com certa regularidade. Me lembro do cheiro de mato, dela de olhos fechados, orando meio em português, meio em espanhol. Desde aquela época eu já não tinha fé alguma, mas gostava daqueles momentos.
Muito do que circula as listas de mais vendidos fica muito focado nas capitais, sempre ao Sul do país. Paulliny escolheu uma cidade afastada, com pessoas que enfrentam os mais diversos problemas e construiu uma narrativa muito criativa e bem amarrada. O conto final traz as águas, mostra que todos são iguais neste cenário apocalíptico. Haverá um recomeço?
Já disse uma vez e vou repetir: amo a forma que você fala sobre suas leituras.
Nunca tinha ouvido falar de Erva Brava e adorei ter sido apresentada a esses contos por aqui 🙂 já vou colocar na wishlist.
A Fósforo lança uns livros diferentes, né? Tô de olho em Kentukis há um tempinho. Já leu? :*
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Obrigada pela leitura, Mel!
Eu recomendo demais o livro da Paulliny. Tô apaixonada por ele.
Ainda não li Kentukis, mas amo de paixão os outros dois da Samantha que li. Tá bem próximo na lista!
Beijos
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Fiquei com muita vontade de ler o livro e conhecer mais a obra da Paulliny, muito obrigada pela partilha, Michelle! Amei o post e o seu blog ❤
http://www.memoriasdevento.com
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Obrigada pela visita, Priscilla 🙂
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