Os escritores e o álcool

Os últimos tempos estão mais difíceis para mim do que a pandemia toda. Tive problemas de saúde, a saúde mental está em frangalhos e a ansiedade está paralisante. Pensei em abandonar este blog. Eu não conseguia me concentrar em nenhuma leitura, então não tinha sobre o que escrever. Em 2018 tive uma fase bem complicada e minha maior companhia foi o livro A cidade solitária da Olivia Laing. Comprei recentemente outro livro dela, Viagem ao redor da garrafa (trad. Hugo Langone) para ver se ele traria um efeito tranquilizante.

Não foi uma leitura fácil, não porque o livro seja chato ou difícil, está tudo ligado com a minha situação atual. Aqui Laing foca em seis escritores: F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Tennessee Williams, John Cheever, John Barryman e Raymond Carver. Ela analisa cada um deles, envoltos pela bebida e os impactos que ela trouxe para suas vidas e respectivas obras.

Ernest Heminway

Há alguns dias eu escrevi no twitter que meu gênero literário preferido é aquele em que a pessoa escreve sobre qualquer coisa, e nas entrelinhas coloca muito de seus problemas pessoais. Eu sou fascinada pela desgraça dos outros, gosto de ver que meus problemas não são os únicos que doem. Um pouco egoísta, talvez, mas acho que isso é válido no papel.

Laing escreveu muito de si em A cidade solitária, aqui menos. Ela viajou por lugares que cada um desses escritores viveu e descreveu paisagens. Falou um pouco de sua família, mas principalmente da ex-companheira de sua mãe, uma mulher alcoólatra, felizmente hoje recuperada. Logo no início do livro ela fala que prefere focar nos homens, porque ao falar de mulheres ela precisaria de muito mais, algo assim. Ela cita Marguerite Duras.

Marguerite Duras anda há tempos rondando minha mente. Vi recentemente alguns de seus filmes, que são dificílimos, cansativos, dolorosos e muito recompensadores. Adquiri dois de seus livros num sebo, esquecidos e empoeirados em prateleiras escondidas. Logo será hora deles e da releitura de O Amante.

Zelda Fitzgerald

Do Fiztgerald eu já li O Grande Gatsby duas vezes. Da primeira achei um saco, na segunda, incrível. Li também alguns contos, mas não tive vontade de ir adiante. A figura de sua esposa, Zelda, me parece muito mais fascinante. Quero lê-la em breve. Com Hemingway foi algo parecido. Li O velho e o amor, e O sol também se levanta nos tempos de faculdade. Nada de espetacular. Ele sempre me despertou sentimentos controversos: amo seu amor por gatos (parece que os gatos dele tinham polidactilia) e odeio o fato dele ter sido caçador.

Mas o que mais odeio é a forma como ele tratou suas companheiras. Martha Gellhorn, descobri recentemente, foi uma jornalista maravilhosa e Hemingway tentou ofuscá-la. Ela saía para trabalhar, e ele queria uma dona de casa. Impossível não pensar em Bukowski, Kerouac e aqueles homens todos que eu admirava, e hoje apenas desprezo.

Carver e Cheever eu só conhecia de nome, Barryman nem isso. Fiquei curiosa para ler todos. Mas o que mais me doeu foi a história de Tennessee Williams. Dele eu já li Um bonde chamado desejo, e amo de paixão, assim como a adaptação para o cinema com Marlon Brando (curiosidade: minha gata se chama Stella). Também assisti a adaptação de Gato em teto de zinco quente. Cinema antigo é algo que tem me dado muito conforto em tempos difíceis.

Tennessee Willams

Li sobre as bebedeiras desses homens, as vergonhas, os efeitos nocivos no corpo. Felizmente nunca precisei lidar com esse tipo de coisa tão de perto. Observei de longe familiares abusando da cerveja nos churrascos de domingo. Durante 2014 eu encontrei conforto nas mesas de bar, eu precisava aplacar a dor que eu estava sentido. A náusea, a dor e o gosto amargo vinham em seguida e pioravam tudo.

Passei meses dessa pandemia sem colocar uma gota de álcool na boca. Minhas bebidas de escolha são a água gelada, o café sem açúcar e o chá preto ou verde saborizado. Jasmim também, acho calmante. Tenho sempre uma garrafa de gin no armário. Ele quebra a timidez, traz alguma paz para silêncios desconfortáveis. Tenho apenas uma taça, mas nunca uso. Só bebi gin sozinha uma vez. Prefiro compartilhar com os amigos, nas minhas canecas de gatos.

4 thoughts on “Os escritores e o álcool

  1. Poxa Mi, espero que você esteja bem. Acho que estamos todos buscando nos manter sãos nesse momento tão estranho que estamos vivendo. Tem horas que simplesmente eu prefiro nem pensar, pra não enlouquecer e colocar mil neuras na cabeça.

    Não conhecia o livro e nem a autora, mas me pareceu bastante interessante. Dentre os autores citados, até agora só conheço a obra do Fiztgerald, e gosto bastante.

    Sobre o álcool, estou no mesmo time que você. Não bebi praticamente nada desde o começo da pandemia. Algumas cervejas e taças de vinho durante confraternizações online e só. Ainda não consigo beber sozinha, sinto que álcool é sinônimo de confraternização, então tenho utilizado só para fazer receitas.

    Vou aproveitar pra agradecer seu tweet novamente, que me trouxe aqui e me levou até vários outros bloguinhos. Espero que esse cenário cresça no coração das pessoas novamente, pois me traz muito quentinho no coração.

    Beijos.
    http://brenshelf.blogspot.com

    Like

  2. “Eu sou fascinada pela desgraça dos outros, gosto de ver que meus problemas não são os únicos que doem.”

    Me identifiquei absurdos, acho que a ideia de que não estamos lidando com a desgraça sozinhos, conforta um pouco, ou pelo menos engana. Seu texto ficou incrível, muitos dos pensadores citados aqui, são referências de um diretor que gosto muito, Wood Allen.

    Like

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s