Quem lê meus textos já está cansado de saber que um dos meus gêneros preferidos é o que apelidei de “mulheres maravilhosas que escrevem contos estranhos”. A maioria dessas mulheres é latino americana, e hoje trago mais uma delas: a boliviana Giovanna Ribeiro. Terra fresca da sua tumba foi publicado no Brasil neste ano, numa parceria das editoras Jandaíra e Incompleta, com tradução de Laura del Rey.

Os seis contos que compõe esse livro tratam de famílias marcadas pelo trauma e/ou pela violência, com a morte as rondando o tempo todo. “Peixe, tartaruga, urubu”, que abre a obra, nos traz uma mãe que perdeu seu filho num naufrágio, fazendo perguntas ao homem que sobreviveu. Enquanto oferece tortilhas a este homem, a narrativa fica cada vez mais tensa e perturbadora.
“Quando chove parece humano” vem em seguida, sobre a vida da Sra. Keiko, uma descendente de japoneses que aluga uma quarto em sua casa para uma jovem estudante. Há pouco tempo vi um seriado que mostrava um pouco da imigração japonesa no Peru. Fiquei curiosa, pois nunca aprendi o suficiente sobre a América Latina nas aulas de história. Essa imigração também aconteceu na Bolívia, e neste conto a autora fala a respeito.
“A mansidão” trata do abuso. Uma jovem é violentada por um homem da comunidade, mas é convencida de que ela é a pecadora, a errada. A família dessa moça é convidada a se retirar, pois estão todos marcados. Há vingança, mas apesar de tudo, a dor dela jamais será apagada.
“Socorro” é um dos contos mais indigestos. Uma mulher volta à casa de sua mãe com seu marido e seus dois filhos após algum tempo. Lá também mora sua tia, uma mulher com alguns problemas que precisa ser cuidada pela irmã. Quando vê os sobrinhos-netos ela fala que são a cara de seu falecido filho. Aos poucos vamos conhecendo mais a história dessa mulher, e sua influência na situação de todos ali.
“Pele de asno” talvez seja meu conto preferido do livro. Dois jovens órfãos são enviados para viver com uma tia alcóolatra, que lê Georges Bataille enquanto se masturba. Lá eles entram em contato com uma aldeia indígena. Os dois pensam em como fugir daquela situação, mas uma tragédia acontece e acelera os planos de mudança.
“Irmão urso” fecha o livro com um tom de estranheza. Um homem é submetido a testes médicos, em troca de um pagamento. Ele não consegue se alimentar direito, sua pele fica ferida e seus olhos sensíveis à luz. Até um dia que os sintomas ficam mais fortes e ele precisa ir ao hospital, de onde tem medo de não sair com vida.
Livros de contos costumam ser difíceis de analisar, ainda mais quando não seguem o mesmo ritmo. Aqui não, apesar de tratar de temas diferentes em cada um deles, há um fio condutor, a estranheza. Giovanna Rivero utiliza da cultura popular para criar seus textos, de uma forma bem encaixada com os temas que aborda. Esse livro é mais uma prova de que a literatura latino-americana é uma das mais versáteis e fascinantes da atualidade.