Publicado neste ano pela Estação Liberdade (com tradução de Andrei Cunha), A polícia da memória de Yoko Ogawa é um misto de drama com ficção científica. Lançado originalmente em 1994, o nome da autora começou a aparecer mais por conta da tradução que o romance ganhou para a língua inglesa em 2019. Ele foi finalista do National Book Award for Translated Literature, e no ano seguinte, do International Booker Prize.

Foi meu primeiro contato com a obra da autora e eu gostei bastante. Andei reclamando no twitter que eu não tinha me apaixonado completamente pelo livro, mas isso não é necessário, não é mesmo? O enredo é incrível. Uma escritora vive sozinha numa ilha no Japão, e lá acontece um estranho fenômeno: as coisas desaparecem. Um dia as pessoas acordam e descobrem que não existe mais perfume, por exemplo.
Quando algo desaparece, elas queimam os objetos e aos poucos a existência dele é apagada da memória da pessoas. Só que algumas são incapazes de esquecer. A mãe da escritora era uma delas. Ela guardava objetos desaparecidos em gavetas do porão, e contava um pouco sobre cada um deles para a filha. Tudo corria bem, até que ela foi levada pela polícia da memória. Como diz o nome, eles levavam todas as pessoas que não esqueciam as coisas.
A protagonista parece ser uma pessoa solitária, possui contato apenas com um senhor, amigo de muitos anos de sua família. Ela também fala bastante com seu editor R. Num primeiro momento o contato deles é apenas profissional. O novo livro dela fala sobre uma mulher que perde a voz e passa a se comunicar com o amante apenas através de sua máquina de escrever.
R. é uma dessas pessoas que não esquecem as coisas. Ela decide então ajudá-lo. Com a ajuda do velho amigo da família, ela constrói um abrigo em sua casa. Passa a levar alimentos para ele e leva recados para a esposa dele. Ela começa então a viver sob constante tensão, sempre com medo que a polícia leve o amigo. Enquanto isso, as coisas continuam sumindo, até que os livros desaparecem.
A biblioteca é consumida pelo fogo, as pessoas fazem grandes fogueiras e jogam livros nela. R. tenta ajudá-la a continuar escrevendo, mas ela é incapaz de sequer escrever uma frase. O editor tem contato apenas com ela e com o velho, e faz de tudo para ajudá-los a lembrar das coisas desaparecidas. Eles sentem algumas emoções diante de certos objetos, mas pouco além disso.
Vi algumas comparações deste livro a 1984, Fahrenheit 451 e a obras de Franz Kafka. De certa forma, concordo. O romance de Yoko Ogawa me parece um tanto mais etéreo que os acima citados. Essa coisa de pessoas com memória terem que viver escondidas é uma metáfora que se aplica diretamente à nossa ditadura. Isso sem falar do Holocausto e diversas guerras repletas de perseguições.
Comentei acima que o livro não me tocou tanto, mas eu gostei muito da leitura. A tradução está muito boa e faz o enredo fluir bem. Para quem gosta de uma ficção especulativa que parece um borrão em um sonho, esse livro é mais do que recomendado.
“etéreo” é uma ótima palavra pra descrever esse livro. eu amei e virou um dos favoritos do ano. levei a leitura mais pro lado da memória e do que somos feitos como seres humanos.
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