No útero não existe gravidade, de Dia Nobre

Acho que posso soar repetitiva, mas eu nunca me canso de dizer que a melhor parte do Leia Mulheres é conhecer mulheres incríveis. Com a Dia Nobre não foi diferente. O primeiro contato foi por twitter, algumas amigas em comum e ela me convidou para gravar um podcast. Naquela noite parecia que já nos conhecíamos há tempos e a conversa fluiu maravilhosamente bem. Pouco tempo depois ela me deu de presente seu segundo livro, No útero não existe gravidade, que saiu nesse ano pela Editora Penalux. A capa e as colagens internas foram feitas pela maravilhosa Monique Malcher.

Num primeiro momento este parece um livro de poemas. E ele é, mas não só isso. Cada verso se junta ao outro formando uma narrativa de mulheres. A avó, a mãe, a filha. Vidas que não são perfeitas nem de longe, morte e lembranças se misturam aos traumas que persistem no presente.

Sempre achei difícil falar de livros de poesia. O que a autora quis dizer em tal verso? E importa mesmo descobrir isso? Acho bem melhor tirar minhas conclusões e adequar cada trecho ao meu mundo. Não existe forma correta de ler poesia, mas é essa que funciona para mim.

Na página 28 Dia já nos diz: “todos na minha família têm medo do inferno, por isso, cada um encontrou um modo disfarçado de se matar. esperavam assim, escaparem“. O suicídio real ou metafórico sempre me parece fascinante, ainda mais aquele que ronda as famílias infelizes, que se dizem diferentes, mas são iguais. Todas passaram as tardes de domingo dos anos 90 vendo TV e forçando sorrisos.

Logo em seguida outro trecho: “tudo maluca, dizia vovó, que não entendia a maluquice das mulheres que sabem dizer / não”. Dizer não é mais difícil do que dizer sim. Dizer não requer coragem, força e aguentar as consequências. Minha avó nunca disse não, cada sim escondia uma nota de infelicidade.

Cada história narrada por uma mulher traz algum resquício de abuso e/ou violência. Infelizmente esse é o fio que parece unir a todas nós. No livro de Dia é o primo de 30 anos. No de Roxane Gay foi um namoradinho dos tempos de escola. Às vezes é um desconhecido, um grito na rua ou uma mordaça na boca. Todas possuem os mesmos traumas, cada família com seu segredo.

você já morou em uma casa com uma bomba-relógio?“. Eu não, mas já tive vontade de derrubar paredes com meus gritos, de trazer o teto ao chão, de escavar cada ossada de cachorro que jazia no quintal. Mas não era minha casa, nunca foi. Agora a casa é segura, a chave deixa os problemas para fora. A bomba-relógio está no meu cérebro.

Há sonhos com o mar bravio. Para mim, toda poesia que se preze tem o mar nas entrelinhas, as algas enroscadas no cabelo, os segredos do fundo do mar, com as criaturas abissais, lulas gigantes e peixes desconhecidos. As lendas de sereias, de seus cantos e seu ódio pelos homens. O cheiro de mar e o barulho das ondas dentro da concha. Um pouco de poesia dentro de um apartamento numa avenida barulhenta.

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