
2014 foi meu ano de obsessão com Karl Ove Knausgård. Comprei A morte do pai perto do meu aniversário de 27 anos. Foi perto também da data que a minha amiga se matou e minha cabeça virou de cabeça para baixo. Entrei numa espiral autodestrutiva e o segundo livro dele, Um outro amor, foi minha companhia.
No mês de dezembro li A pequena outubrista da Linda Boström, ex-mulher do Karl Ove. A relação deles é um dos temas centrais de Um outro amor. Ele tinha acabado de se separar da Tonje e ido morar na Suécia. Lá reencontrou Linda, uma paixão antiga. No livro dele eles ainda não haviam se separado e só tinham três filhos. No dela são quatro filhos e eles não estão mais juntos. Depois de ler o livro da Linda, resolvi voltar para o Karl Ove, comparar pontos de vista.
Terminei a releitura na manhã do dia 31 de dezembro de 2020, fatídico dia da pandemia e do governo lixo do Brasil, também dia seguinte à legalização do aborto na Argentina. Quase sete anos depois da primeira leitura eu sou outra pessoa, então parecia que eu estava lendo um livro novo.
Eu tinha em mente o episódio em que ele corta o rosto (episódio esse que se repete no quinto livro) e lembrava da relação conturbada com Linda. Entre discussões e violência, eu achava o amor encantador. Hoje vejo nitidamente o lixo de relacionamento que eles tinham. Em seu livro, Linda fala abertamente de suas passagens por hospitais psiquiátricos e tratamentos com eletrochoque. Karl Ove cita por cima da bipolaridade da então esposa e como isso o afetava diretamente.
Eu sou fascinada pela escrita confessional, voyer literária da vida dos outros, mas com a releitura de Um outro amor eu só me senti angustiada. Como eu me sentiria tendo minha vida inteira exposta pela pessoa com quem eu divido a cama? Karl Ove fala de amigos, de parentes, escritores. Não é à toa que ele arrumou desavenças com várias pessoas. E o quão egocêntrico é escrever seis livros sobre a própria vida? Mas qual assunto dominamos melhor do que nós mesmos? Fique claro que eu não estou defendendo o homem, apenas expondo questionamentos que faço a mim mesma.
Linda falou de si em seu livro, citou a família e amigos, mas não disse o nome de Karl Ove em momento algum. Gostei muito da sua escolha de se referir ao ex-marido usando uma voz direta, como se ele fosse o único leitor. A pequena outubrista ficou à sombra das milhares de páginas de Karl Ove? Será que veem o livro dela como uma vingança? Como uma resposta?
Eu vi como uma necessidade de se colocar na história toda. Karl Ove nos conta que ela foi desagradável e até mesmo violenta em várias ocasiões. Era exagero do ex? Um reflexo da sua bipolaridade? E nós aqui como expectadores dos problemas conjugais alheios. E fica aqui o mea culpa, adoro observar tudo de longe. Critico pessoas que correm para a rua quando ouvem uma briga, mas não faço o mesmo com esses livros?
Em 2014 eu estava atrás de relacionamentos que me fizessem mal e esse livro caiu bem naquele momento. Reli vendo de longe a vida do casal e também a minha, que deixou algumas marcas e outras eu consegui cobrir, literalmente. Deixando de lado o julgamento do que é certo ou errado, eu gosto demais da escrita do Karl Ove , de como ele se expõe, de como relembra os fracassos e se mostra nos momentos mais ridículos. Seus livros me irritam e eu não tiro os olhos deles. Espero que mais livros da Linda saiam no Brasil, adorei conhecer sua escrita.
Karl Ove fala muito sobre ficção e sobre verdade. A vida dos outros sempre será uma ficção para mim.
A pequena outubrista foi publicado pela Editora Rua do Sabão com tradução do Luciano Dutra. Já Um outro amor saiu pela Companhia das Letras, com tradução do Guilherme da Silva Braga.