Acho que a coisa mais legal de ter trabalhado em editora independente foi ter conhecido um monte de gente legal desse meio. Uma editora ajuda a outra, fazemos feiras, dividimos stands e afins. Nessas eu conheci o Nathan, na FLIP, para ser mais específica, e dois piscianos fãs de Adília Lopes que somos, viramos amigos. Ele me disse que teria novidades na Moinhos. Novidades de autoras chilenas. Claro que fiquei ansiosa, mas não imaginei que ia me apaixonar tanto por um dos livros, Sistema do Tato, da Alejandra Costamagna (que nome lindo!) que chegou aqui com tradução da Mariana Sanchez.

De todos os livros que o Nathan me mandou, esse foi o que me chamou a atenção logo de cara, e foi por causa da capa, uma das mais lindas que já vi. E o mais legal é que você vai lendo o livro até a hora que você entende o porquê dela e fica tudo ainda mais maravilhoso. O enredo é dividido em duas linhas narrativas: uma do passado, com Augustín e outra no presente, com Ania.
Augustín é primo do pai de Ania. Toda a família é da Argentina, menos Ania, que nasceu no Chile. Ganha a alcunha de “chileninha”, que todo ano visita a família no país vizinho. As narrativas se encontram quando Augustín está à beira da morte, e Ania volta para a Argentina para se despedir. O pai não pode ir, então ela vai representar a família.
No Chile Ania é professora de crianças – mas logo deixa de ser – , vive com seu gato e se relaciona com um homem mais velho, que também tem um gato. Ela se vira com bicos de pet sitter, passeia com os cães dos outros (até mesmo com o do pai), rega plantas e etc. Ela deixa essa vida de lado um pouco para voltar à pequena cidade da família, cumprir seu papel e enterrar o primo. Enquanto está na casa que era de seus avós, ela recorda passagens da infância, repensa sua vida atual e relembra Augustín.
A história superficial é essa, mas Costamagna nos deixa muitas pontas soltas, e isso é bastante positivo. Há muito da história da Argentina e do Chile no livro, como o Conflito de Beagle, que eu desconhecia ou não me lembrava dos tempos de escola. Também há comentários sobre a ditadura. Aliás, isso é algo que eu gosto bastante na literatura contemporânea da América Latina, sempre há uma referência aos períodos em que cada país passou por uma ditadura. Isso tem aparecido na brasileira e eu fico bem feliz, aquela coisa de não esquecer as coisas para que elas não voltem a acontecer.
Minha personagem preferida é Nélida, mãe de Augustín. Italiana, ela foi mandada à Argentina para viver com parentes, prometida em casamento a um primo distante. Não sabemos o motivo de sua vinda para a América do Sul, mas logo descobrimos que ela nunca se encaixou, que a nostalgia se tornou uma depressão. Quem era essa mulher? Por mim, teria um livro apenas sobre ela.
Sistema do Tato é um livro com uma história aparentemente simples na superfície, mas as camadas são muitas e são espessas. Cada personagem ali merecia páginas e mais páginas, mas ficarão todas apenas na imaginação de quem o ler. Caso eu fizesse uma lista de melhores leituras do ano, esse entraria. Uma grata surpresa nos 45 do segundo tempo.