Nem lembro quando foi a primeira vez que eu ouvi falar do livro da Ottessa Moshfegh que saiu aqui pela Todavia, com tradução da Juliana Cunha. Ele chegou em casa, fiquei olhando para ele e decidi que iria levá-lo na minha viagem de descanso e relaxamento no meio do mato durante o Carnaval desse ano. Me atrapalhei com outras leituras e ele ficou para depois.
Aí veio a pandemia e pensei na premissa do livro: uma mulher está de saco cheio de tudo e decide passar um ano se entupindo de remédio para dormir, desmaiar, acordar pra comer, mais remédio e mais horas de sono. Me parecia uma ótima ideia. Agora que terminei e a leitura e continuo em quarentena, sigo achando uma ótima ideia. Até comentei com a minha psiquiatra sobre o livro e ela deu um sorriso amarelo, gaguejou e disse “Não é uma boa ideia, né Michelle?”. Mas enfim, é.
A protagonista é uma mulher jovem, branca, loira e rica que mora em Nova Iorque num apartamento próprio. Trabalha numa galeria de arte apenas por trabalhar, não precisa do dinheiro. Seu pai faleceu devido a um câncer e sua mãe se matou pouco tempo depois. Em sua vida duas pessoas têm presença constante: Reva e Trevor.

Reva é uma amiga da época de faculdade. Elas não são próximas, não possuem muito em comum, Reva parece fazer mais questão dela do que o contrário. Mas por algum motivo elas se falam. Reva costuma visitar a amiga durante os períodos lúcidos do ano de descanso e relaxamento.
Trevor é o cara escroto com quem ela se relaciona. Foram namorados, terminaram, voltaram. Ele gosta que ela rasteje, implore por atenção e dependa dele. O tipo mais lixo possível, e mesmo assim ela sempre recorre a ele. Ela sabe que ele é uma péssima opção, mas pelo menos ele está disponível de alguma forma.
E onde ela consegue esses remédios? Nossa narradora achou uma psiquiatra um pouco duvidosa que ela consegue facilmente dobrar. “Esse remédio não faz efeito, continuo com insônia”, e ela prescreve um mais forte. E assim ela consegue montar um verdadeiro arsenal de guerra. As suas motivações para dormir o tempo todo são claras, uma depressão forte, a falta de sentido, essa falta familiar.
E em meio a tudo isso temos alguns momentos cômicos, que beiram o absurdo. Um dos remédios causa apagões homéricos, nível ela acordar e estar com um casaco de pele e ter fotos numa festa. E não se lembrar de nada. Num desses momentos ela aparece no enterro da mãe de Reva, que ela tinha dito que não iria comparecer.
Eu senti o livro como uma espécie de deboche de um Girls ou Sex and the City da vida, carregando com um humor bastante ácido, tédio, dor e muita tristeza mascarada com drogas, no caso as legais, calmantes e soníferos. Ler esse livro em meio a uma pandemia e com um governo lixo teve um peso a mais para mim. Todo dia é muito difícil acordar, olhar as notícias e trabalhar como se estivesse tudo bem.
A premissa parece absurda, oras, dormir um ano inteiro, mas logo faz sentido, e você compreende. Se você é brasileiro e tem o menor bom senso, você também vai se identificar.
Me parece muito triste 😢
LikeLike
Olha eu queria dormir e só acordar ao fim dessa pandemia. Seria ótimo
LikeLike
Também li na quarentena e amei, fiquei na maior ressaca literária depois. Acho que esse livro se relaciona muito com a nossa solidão atual….Super me identifiquei com a vontade dela dormir muito, por horas, dias, enfim. Atualmente uma das melhores formas de fugir da realidade é dormir, né? Senti até uma invejinha pela quantidade de calmantes disponíveis para a personagem, que nunca é nomeada, kkk. No momento só tenho acesso aos calmantes fitoterápicos, Pasalix, Ansiodoron, Ritmoneuram…e muito chá de camomila para conseguir dormir.
LikeLike