#desafioleiamulheres Março

Que mês estranho está sendo esse de março. A minha vida mudou completamente, e depois mudou de novo. Voltei da viagem de Carnaval e poucos dias depois fui chamada para um novo emprego. Mal comecei lá e vim para a quarentena. Achei que em casa ia conseguir colocar os pensamentos em ordem, me organizar, ver filmes. Mas a verdade é que passo o dia todo com dor nas costas, sinto que não faço nem metade do que deveria e à noite caio como uma pedra no travesseiro.

Mal e mal consegui finalizar algumas leituras para trabalhos/projetos. E hoje li o livro do desafio do Leia. Escolhi Adília Lopes. Em parte porque a amo, e em parte porque é um dos únicos que tenho disponíveis aqui em casa. Minhas estantes estão na casa dos meus pais, e eu não vou lá há quase três semanas. Sinto falta deles, das minhas gatas, de folhear meus livros. Sinto falta de abraçar meu melhor amigo. Sinto falta de abraçar qualquer pessoa. O último abraço foi doce e me deixou com vontade de mais.

Para o desafio escolhi Aqui estão as minhas contas, antologia organizada por Sofia de Sousa Silva (que assina também uma ótima análise sobre a obra) e publicada pela Bazar do Tempo. Essa é a terceira obra dela que leio, escrevi sobre Manhã aqui no blog.

adília

O poema “As rosas com bolores” traz os seguintes versos:

é preciso estar sempre atenta
porque no instante em que 
o bolor não pode alastrar mais 
a não ser alastrando-se sobre 
si próprio
e alimentando-se de si próprio 
ou seja suicidando-se
naquele acto de infinito amor 
por si próprio 
que é afinal todo o suicídio (pág. 25)

Em meio a esta quarentena estou fazendo um curso de escrita criativa com a Geruza Zelnys chamado Poética da Serpente. Tenho escrito sobre musgo, sobre lodo. Tentei escrever sobre suicídio, mas chega. Tudo que escrevi até então é sobre isso. Recentemente gravei com a Jéssica um episódio de nosso podcast sobre o filme Mormaço, no qual a personagem começa a mofar. Estou com todas essas imagens embaralhadas na cabeça.

Assim como sou obcecada com a Adília, ela também é com Anne Sexton. Que mania a gente tem de amar as suicidas! Adília diz: já fui bela uma vez agora sou eu / não quero ser barulhenta e sozinha. Dia desses escrevi que um dia já fui bonita, mas que agora quebro espelhos. E para minha vaidade, um poeta me disse que eu pareço fisicamente com a Adília.

Adília fala muito sobre foder. Esse verbo está em diversos de seus poemas. Em tempos de quarentena, de isolamento social, ele fica apenas no campo das ideias. Ela fala: saber estar sozinha / para saber estar contigo / e vice-versa. Arrumei um amor (amor é uma palavra forte demais, mas cabe aqui, poeticamente) antes da quarentena, e aqui pratico essa ideia de saber estar sozinha. Aprendi a estar sozinha muito antes de me dar conta. Estive sempre sozinha, nunca deixei ninguém me conhecer. Acho que vou seguir assim.

Cheguei ao poema “Meteorológica”. Lembrei da música do A Naifa, meu grande vício de 2008. Talvez tenha sido ali que ouvi pela primeira vez o nome da Adília. 2008 foi um dos anos mais intensos da minha vida, acho que foi ali que eu comecei a me tornar o que sou hoje. Pequenos passos que se arrastaram nesses 12 anos. Eu não senti esses 12 anos e fico inconformada que eu ainda tenha que lidar com algumas das mesmas sensações de 2008.

Ah, o senso de humor da Adília na página 73.

Eu quero foder foder 
achadamente 
se esta revolução 
não me deixa 
foder até morrer
é porque 
não é revolução 
nenhuma 

Nesta semana tivemos aquele pronunciamento bizarro de nosso querido presidente. Escrevi no twitter que eu gostaria que ele caísse juntamente com o fim da quarentena, para podermos beber, dançar, transar e comemorar como se não houvesse amanhã. O Dani bem disse que esse é o período mais estranho e difícil que nossa geração já viveu. Estaremos nos livros de história pelos piores motivos possíveis. E eu pensando que estávamos conseguindo tanto, com a popularização do feminismo, as pessoas ficando mais conscientes com o racismo e homofobia. Parece que tudo foi por água abaixo.

Agora deixo dois poemas que amo por motivos estritamente pessoais. Mas muito de gostar de poesia é isso, identificação. Então, me identifico com Adília.

La Femme de Trente Ans

Amarás 
o meu nariz
brilhante 
as minhas estrias 
os meus pontos pretos 
os meus textos 
os meus achaques 
e as minhas manias 
e as minhas gatas 
de solteirona 
ou não me amarás 

47 anos 

Tagarelar com os amigos 
beber café 
reler poemas 
viver com os gatos 

Eu sempre vou agradecer a minha amiga Carol por ter me incentivado a ler Adília. Obrigada por tudo, pela obsessão. Eu gosto de ter obsessões, ainda mais essa obsessão-espelho. E é isso, leiam Adília. Ela também está sendo publicada pela Editora Moinhos. Fortaleçam as editoras independentes, ainda mais em tempos de crise. Tenham obsessões, se mantenham sãos. Vai passar.

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