Conheci a Liliane Prata na Flip deste ano. Ela participou de uma mesa na Casa da Porta Amarela, espaço de editoras independentes no qual trabalhei. Infelizmente não pude acompanhar, pois estava ocupada, mas trouxe o livro O mundo que habita em nós para casa e finalmente pude lê-lo. Pensei em escrever uma resenha para o site do Leia Mulheres, mas o livro despertou em mim algumas sensações e eu jamais conseguiria falar dele da forma objetiva que tento usar lá. Este é meu blog pessoal, então a escrita é mais leve (ou pesada, dependendo do conteúdo).
Começo elogiando a escrita da Lili, que é fluída e de fácil entendimento. No livro ela traz diversos conteúdos da Filosofia, mas numa linguagem acessível que qualquer um pode compreender, além de ser muito agradável a forma como ela se comunica com o leitor. É mais ou menos como uma viagem pela Filosofia e pela Literatura para entendermos um pouco melhor a época em que estamos vivendo.
Marquei diversas passagens e meus comentários a seguir serão baseados nelas. A autora foca bastante nas questões atuais, como vivemos nossas vidas, o que deixamos passar e até mesmo como a tecnologia nos influencia. Logo no começo um trecho já chamou a minha atenção, quando ela fala que às vezes confundimos narcisismo com amor-próprio. Vejo muito isso no feminismo, que se prega tanto essa questão de auto-aceitação e se esquece do coletivo. Tem que servir para todas, não para um pequeno grupo. Às vezes esquecemos de quem está ao nosso redor.
E penso que isso para a dor também. Lembro que em 2014 eu sentia muita dor, foi o pior ano da minha vida e eu estava cega, só conseguia enxergar o meu próprio sofrimento. Afastei pessoas, bebi demais, não criei laços. Eu queria preencher aquele vazio de alguma forma, e nessas acabei me distanciando de mim mesma e das pessoas que eu gostava.
Em tempos de crise podemos tender ao isolamento, sentar para ver filmes ou ler, esquecer do mundo ao nosso redor. Eu sou mestre nisso. Numa época ruim eu maratonei House of Cards, e para superar um fim de namoro eu me afundei numa biografia do Stephen King. Mas Liliane diz no livro que não estamos de fato sozinhos. Eu estava vendo uma série que envolveu uma tonelada de gente em sua realização, estava lendo um livro escrito por uma pessoa sobre outra pessoa. Não existe solidão completa, no sentido literal, em nossa sociedade. Pensar nisso me traz um pouco de conforto.
A gente tem ideias porque leu, ouvi, sentiu, ouviu. A troca de experiências faz com que criemos outras novas experiências. Cada texto meu é assim, ao ler um livro eu lembro de uma música, que me lembra de um filme, que me lembra de uma pessoa, que me traz à mente certa época da minha vida. Gosto de pensar nessa conexão de sensações que uso para criar meus textos.
Em 2008 eu queria ser escritora, admirava Bukowski e Kerouac. Depois abandonei o hábito, rasguei cadernos e apaguei documentos do Word. Voltei a mostrar alguns de meus escritos e um amigo me disse que eles eram crônicas. Me senti confortável com essa denominação e ela me deu um pouco de coragem de seguir escrevendo, seja no papel, seja na tela do computador.
Há dois anos uma terapeuta me disse que eu devia focar mais no presente, do que ficar pensando no que eu iria fazer no futuro. Não adianta pensar no passado, ele acabou. E o futuro, por mais que eu planeje, tudo pode mudar. Hoje mesmo me peguei nervosa por uma mudança de roteiro. A terapeuta me passou um exercício: sentar ao lado da minha gata, fazer carinho nela e pensar sobre o seu pelo macio, sobre as manchinhas em seu nariz e sobre suas patinhas. Você já fez isso? Focar em algo aparentemente bobo e esquecer todo o resto?
Não nos sentimos confortáveis com o silêncio, com a calma, é sempre preciso ter o celular à mão, se comunicar. Comentei em um texto anterior que eu me sinto mais desconfortável com a minha solidão hoje, mesmo com um celular cheio de contatos, do que quando eu vivia sozinha em meu quarto na adolescência.
Outra coisa que estraga a experiência de viver no presente são as ideias pré-concebidas, de como a gente ama ou odeia algo sem conhecer de perto. Vamos odiar tal filme porque todo mundo odeia. Vamos amar tal série porque todo mundo ama. Não nos permitimos as opiniões contrários, ou quando permitimos, nos sentimos superiores de sermos como a grande massa. O ser humano pode ser exaustivo.
Lembrei de uma professora minha, creio que da sexta ou sétima série, que dizia que pessoas mais simples eram mais felizes, pois não pensavam em questões existenciais. Eu mesma dizia que amava escritores tristes e torturados. Minha poeta preferida é Sylvia Plath, que enfiou a cabeça num forno. Na HQ Parafusos Ellen Forney questiona como seria se ela tivesse sido medicada. Ela teria escrito mais poemas, mais livros? A gente tende a glamourizar o sofrimento e isso é muito esquisito.
Bukowski mesmo dizia que a gente dava muito mais valor para certas coisas quando não as tínhamos, como sexo e dinheiro. Quando eles são uma constante, se tornam banais. E pensando na atualidade, dependemos muito da opinião alheia, temos mais desejo de mostrar nossas posses do que de realmente aproveitá-las, como dito em Clube da Luta: compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos, para nos mostrarmos para pessoas que não gostamos. E me sinto enjoada de citar vários homens escrotos num texto sobre um livro muito querido de uma escritora ótima como a Liliane.
Somos viciados em emoções, em altos e baixos, ao mesmo tempo que precisamos de segurança, de rotina. Queremos viver intensamente, mas desde que não tenhamos que correr riscos. Eu quero viver calmamente e quero me sentir bem por isso. Não quero mostrar e nem provar nada, quero escrever, falar de livros, cuidar de gatos e tomar café com os meus. Não quero noites mal dormidas, ressacas, enjoos.
Acho que nunca estamos sozinhos mesmo, há o bom dia da atendente da farmácia, há o livro com um monte de informação que me vira de cabeça pra baixo. Há a Liliane Prata e seu livro O mundo que habita em nós, que nos faz pensar em tudo isso que está acontecendo ao nosso redor, ainda mais em tempos sombrios, de violência, de preconceito, de coisas horríveis que tomam os jornais diariamente. A gente precisa dar um jeito, e esse livro ajuda a encontrar caminhos.