Lady Killers

O assunto assassinos em série sempre foi de meu interesse. Com 15 anos comprei aquele livro Serial Killer: Louco ou Cruel? da Ilana Casoy, naquela época publicado pela Madras. Cheguei a trocar e-mails com a autora porque eu pensava em ser psiquiatra para estudar mais sobre o assunto. Os anos passaram e essa fascinação se tornou um misto de curiosidade com repulsa.

Eu era muito fã de uma banda de EBM chamada Combichrist que tinha um som chamado “God Bless”. A letra era a repetição dos nomes de diversos assassinos em série com o refrão “God Bless” (Deus abençoe). Hoje eu não consigo nem pensar em escutar. Ano retrasado li a HQ Meu Amigo Dahmer, e também vi a série Mindhunter. Por mais que me afaste, sempre acabo caindo no tema.

Mulheres sempre foram responsabilizadas por todo o mal desde os tempos de Lilith e Eva. As bruxas, as femme fatales, as histéricas, as loucas, as feministas. Apesar disso tudo, parece inadmissível que mulheres sejam más para além do imaginário. O machismo chega até mesmo às assassinas em série. Sempre houve a ideia de que a mulher precisa escolher o papel de santa ou de puta, mas nunca o de um ser capaz de fazer o mal.

É necessário inventar mitologias para justificar o mal que mulheres são capazes de praticar. Há hipóteses de que a necessidade de matar está ligada ao apetite sexual, à voracidade ou ausência dele. Ou então seria a “loucura”, que é a mais complicada. Desde sempre mulheres são chamadas de loucas pelas mais diversas atitudes. Lembrando que há casos como o de Camille Claudel, que passou boa parte da vida num manicômio, apenas por se recusar a viver como era o esperado de uma mulher, obediente e servente.

Recentemente eu estava lendo um livro de contos de fantasmas e a leitura estava empacada. Até que gentilmente a Darkside me enviou o livro Lady Killers, de Tori Telfer, com tradução de Daniel Alves da Cruz e Marcus Santana, e eu o passei na frente. A leitura é extremamente fluída, só não o li em menos tempo por causa das obrigações da vida.

O livro deixa de fora algumas mulheres mais conhecidas como Aileen Wuornos. A autora justifica que a escolha de assassinas bem antigas é de cunho estético, como elas estão no passado as histórias são assustadoras e hipnotizando, ao contrário dos crimes atuais, que são apenas tristes. Crimes recentes nos deixam mal, nos fazem pensar na fragilidade da vida, na maldade das pessoas, enquanto que o distanciamento do tempo nos faz pensar uma forma mais branda.

Eu ouvia muito black metal e o nome de Elizabeth Bathory sempre esteve presente nas letras das bandas. Dizem que ela tomava banho no sangue de suas vítimas, de que ela era uma vampira, parente de Vlad Tepes. Porém, tirando a fantasia, Bathory era uma mulher sedenta por poder e controle, extremamente sádica e sem um pingo de empatia.

Alguns anos depois vi um filme baseado em sua vida chamado A Condessa, dirigido e estrelado por Julie Delpy. Lembro de ter gostado muito, mas ao revê-lo ano passado a frustração foi grande. Muito romantizado e justifica seus atos por um amor não correspondido. Novamente uma “suavização” da maldade, para que ela se torne menos monstruosa aos nossos olhos.

É justamente com Elizabeth Bathory que Tori Telfer abre Lady Killers. Nannie Doss é outra assassina apresentada no livro. Ela matou 11 pessoas entre os anos de 1920 e 1954. Ela foi condenada à prisão perpétua, teria sido a cadeira elétrica, mas o juiz não podia suportar a ideia de matar uma mulher. Até numa situação dessas a mulher é vista como um ser frágil que merece misericórdia, apesar de tudo.

Jack O Estripador é um dos assassinos mais famosos de todos os tempos. Até hoje sua identidade é desconhecida, mas sempre supôs-se que ele era um homem. Há uma teoria que indica Lizzie Halliday como a autora dos crimes de Jack. Ela se tornou a primeira mulher condenada à cadeira elétrica.

Dizem inclusive que Jack foi o primeiro serial killer da Inglaterra. Seus crimes ocorreram em 1888. Porém, até o ano de sua morte, 1873, Mary Ann Cotton já tinha assassinado por volta de 21 pessoas no país. Mais uma mulher esquecida pela história.

Aqui abro um parênteses. Em casos de assassinatos em série a primeira suposição é que o autor dos crimes seja um homem. Quantas mulheres não escaparam das autoridades simplesmente por serem mulheres, por não levantarem suspeitas?

No início dos anos 1900, duas irmãs, Raya e Sakina, comandavam um bordel em Alexandria. Elas assassinaram diversas das mulheres que lá trabalhavam e a imprensa da época culpou as vítimas por suas próprias mortes. Por que mulheres frequentariam lugares tradicionalmente masculinos como mercados, bares e cafés? Estamos em 2019 e vemos que a culpabilização de vítimas permanece a mesma.

Quando eu era criança eu era uma leitora apaixonada por Agatha Christie. A maioria dos crimes que suas personagens cometiam era por meio de envenenamento. Lembro de ler uma matéria sobre a escritora na qual ela dizia que esse era o meio mais “feminino” de se assassinar alguém, pois não fazia bagunça.

Lendo este livro, notei que a maioria das assassinas recorria a esse método. Mas o envenenamento não é nada sutil. Não faz bagunça, mas é uma forma extremamente cruel de se matar alguém. Ele envolve astúcia, sigilo e longa deliberação. É necessário paciência e falta de empatia diante do sofrimento alheio.

Na página 53 a autora diz “Assassinos em série não são assustadores por serem homens; eles são assustadores porque destroem a ordem.” E quando são mulheres que destroem essa ordem? Que matam seus próprios filhos? Que fingem cuidar de seus maridos enquanto secretamente colocam veneno em suas comidas? A autora não justifica a maldade dessas mulheres, mas expõe através de uma extensa pesquisa motivos que talvez tenham levado essas mulheres a cometerem tais atos.

Como comentei acima, eu lia muito sobre os assassinos homens. Claro que muitos deles tiveram infâncias problemáticas, mas seus crimes pareciam acontecer sem grandes motivos. Enquanto que os das mulheres que li nesse livro pareciam sempre ter um porquê, por mais banal que fosse.

A diagramação do livro está muito boa. Como é comum da Darkside, a capa é chamativa, em capa dura, e possui lindas ilustrações de Jennifer Dahbura. A tradução e a revisão estão ótimas, não encontrei grandes problemas. O tom de humor da autora é respeitoso e na medida certa, assim como o de Caitlin Doughty.

Na edição nacional de Lady Killers há uma parte extra com os nomes de algumas assassinas mais recentes e outras antigas que não foram citadas, entre elas a brasileira Heloísa Borba Gonçalves, que está foragida desde 2004. Há também uma sessão de indicações de filmes e livros, inclusive os documentários sobre a já citada Alieen Wuornos, e o filme inspirado em sua história, Monster, com Charlize Theron no papel principal. Esse filme rendeu à Theron o Oscar de melhor atriz. Curioso pensar que num dos documentários Wuornos dizia que não queria que sua história virasse filme, para que os outros não pudessem lucrar com a sua vida. Pois é.

Imagem de capa: “Marie-Madeleine” de Charles Le Brun. Retrato da Marquesa de Brinvilliers, que ficou conhecida como a Rainha dos Envenenadores. 

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