Conheci o Jonas Åkerlund por causa de seu filme Spun. Tive minha fase de amar filmes junkie, e esse era dos meus preferidos. O que mais me chamou atenção nele foi uma cena em que um cara está comendo de uma forma muito nojenta enquanto assiste ao clip de “Mother North” do Satyricon. Eu precisava saber mais sobre esse diretor! Fui atrás de mais filmes do cara e para minha surpresa, ele tinha tocado bateria no primeiro disco do Bathory. Depois fez carreira dirigindo um monte de videoclipe, inclusive de “Ray of Light” da Madonna (que é do meu disco preferido dela), até chegar ao cinema.

Anos depois o nome do diretor volta ao meu radar. Ele iria lançar um filme chamado Lords of Chaos, sobre a cena black metal da Noruega. Aqui corto para explicar um pouco minha relação com a música. Como todo ser nascido antes dos anos 2000, boa parte da minha educação musical veio da MTV. Eu assistia àquele monte de clips e fui me apaixonando por um monte de coisa. Nirvana, Metallica, Placebo, Black Sabbath, Garbage, Hole, Smashing Pumpkins, Iron Maiden e Marilyn Manson. Eu gostava de tudo isso.
Até que um dia vejo um vídeo do Nightwish ao vivo, em sua primeira passagem pelo Brasil. Fiquei completamente apaixonada pelo estilo e passei a ouvir bandas de gothic metal. Aí fui para o doom, até chegar ao black metal. Lembro que a primeira banda que eu ouvi de verdade foi Immortal. Outra passagem da juventude: tinha um programa na rádio Brasil 2000 chamado Backstage. No de número 666 houve um especial de black metal, com bandas como Mayhem e Possessed. Gravei tudo nas minhas fitinhas K7.
Eu era leitora de revistas como Rock Brigade, Valhalla e Roadie Crew. Aprendi sobre a cena da Noruega, conheci várias bandas de nome. Comecei a fazer amizade com pessoas que curtiam o mesmo som. Vi shows do Gorgoroth antes do Gaahl se assumir gay, vi o Dissection um ano antes do vocalista se matar. Eu estava inserida naquele cenário e o que eu mais via eram brigas.
Todo rolê tinha briga, era gente se odiando, era uma atmosfera pesada. No citado show do Dissection teve uma confusão gigantesca que me deixou com medo de sair de casa por um bom tempo. Era época dos fotologs, e graças a esse tipo de som eu conheci uma das minhas melhores amigas (com quem hoje eu mantenho o Cine Varda). Posso dizer que foi a única coisa que esse rolê me trouxe. Eu namorei um cara nessa época, que conheci num show de black metal, que uma vez me disse “Black metal não é lugar de mulher”.
Sempre brinco que eu devia ter continuado ouvindo Hole e Garbage. Eu sempre ouvi, mas meio escondida. Falo que se eu tivesse ouvido apenas esse tipo de som teria chegado a L7, Bikini Kill e minha vida teria sido muito melhor. Teria evitado muita situação merda que me meti, muita ideia errada que tive, e muita gente escrota com quem convivi. Mas gosto de pensar que pelo menos hoje eu gosto da pessoa que me tornei. A gente erra um pouco antes de acertar.
Lembro que no meu aniversário de 18 anos eu ganhei o dvd do Portishead, e eu me sentia estranha de gostar também desse tipo de som, mesmo usando camiseta do Nargaroth. No começo desse mês eu tirei um RG novo. No antigo eu estava usando uma camiseta do Mütiilation. Na minha carteira de trabalho eu estou com uma camiseta do Astarte, banda formada apenas por mulheres.

Outra coisa dessa época é que eu e a Manu criamos um fotolog chamado Extreme Females. A gente postava fotos de bandas com mulheres na formação. A gente não tinha muita noção do que era feminismo, a gente reproduzia uns machismos ridículos, mas a gente tava engatinhando para sermos as mulheres que somos hoje.
Ainda escuto black metal, ainda tenho algumas camisetas de bandas, mas desde 2014 não piso num show. Da última vez eu fui atropelada na porta do rolê, e o mais engraçado é que a treta não teve nada a ver com o black metal em si, mas ali eu senti que pra mim já tinha dado. Fiquei anos sem ir pra shows, voltei em 2011 para ver o Satyricon, banda que eu tinha visto em Spun. Foi incrível, desse eu tenho boas lembranças. Mas black metal para mim sempre foi sinônimo de briga e de tensão.
Eis que hoje, 24 de fevereiro, três dias depois de completar 32 anos, finalmente assisti ao filme Lords of Chaos. O trailer tinha todo um tom de deboche, de ridicularização e já tinha irritado muito fã de black metal, o que é sempre positivo. Até o Varg estava nervosinho, chegou até mesmo a dizer que estava ofendido por um judeu gordo tê-lo representado.
O filme é engraçado, ridiculariza, mas quando ele passa a abordar o Dead a coisa muda de rumo. Ele era um cara com depressão e as pessoas ao seu redor alimentavam as atitudes bizarras dele. Ontem teve encontro do Leia Mulheres em São Paulo, falamos sobre a HQ Parafusos, na qual Ellen Forney conta sua história sendo bipolar. Imaginem como assisti a esse filme tendo em mente toda a discussão do dia anterior.
Eu tinha feito um post no facebook brincando com o filme, e até deletei. Åkerlund mantém o tom de humor, mas a bad vibe é o que prevalece. Conversando com uma amiga, ela me disse que o diretor fez uma edição do filme sem as partes de humor, mas que ficou um resultado pesado demais. Se com esses alívios cômicos eu já fiquei péssima, imagine sem.

O filme em si é ótimo, o enredo é muito bem costurado e as atuações são sensacionais. Gostei das sutilezas, dos detalhes de humor já citados, mas era uma situação de merda. Uns moleques revoltados matando gente, tacando fogo em igrejas históricas. Eu odeio religião, desprezo a Igreja, mas há o famoso limite.
Uma coisa que me chamou atenção foi a presença de uma moça, Ann-Marit, que aparece apenas como namorada do Euronymous. Fiquei irritada pelo papel coadjuvante, mas ela era realmente isso, aos olhos de todos. Eu mesma dizia um absurdo quando era mais nova, que havia três tipos de mulheres no rolê: as que iam pra pegar caras, as que iam pra arrumar briga e as que realmente curtiam som. Eu me orgulhava de ser o terceiro tipo, adorava ser “um dos caras”, manjar de som. Ficava nervosa quando mostrava bandas pros meus amigos e eles corriam para compartilhar com as namoradas.
Eu nem vou entrar aqui no mérito do nazismo infiltrado nesse rolê. Também não vou falar dos caras que eu conheço daquela época que apoiaram Bolsonaro, que continuam sendo machistas, ofendendo mulheres. Muito menos vou falar dos caras que assediam mulheres, que as agridem, e que todo mundo ao redor fecha os olhos.
Eu ainda gosto muito da música, fico muito feliz de ver que estão surgindo cada vez mais bandas de metal com temáticas de esquerda, feminismo, veganismo, contra homofobia e todas as coisas nas quais eu acredito. Eu estava com medo de escrever esse texto, resquício daquela época que eu ouvi que não fazia nada pela “cena”. Quantas vezes eu não tive medo de usar x camiseta com medo de ser intimada? Por que diabos eu escolhi passar a minha juventude nessas condições?
Hoje eu faço piada, ainda mais quando escuto cara falando que não entende feminista que usa camiseta do Bathory. Mas assistir a esse filme me despertou um monte de sensações. Quando eu tinha 16 anos eu imprimia entrevistas do Kanwulf e ficava decorando tudo que ele dizia. Eu me dizia niilista e misantropa. Depois passei a dar risada, mas hoje fiquei com um nó na garganta.
Já imaginei alguém dizendo que virei crente, pois vendi todos os meus cds e vinis de black metal. O feminismo me fez odiar as religiões patriarcais, não o black metal. Opera IX com a Cadaveria continua sendo uma das minhas bandas preferidas.

Eu também já estive na cena, e fico me perguntando, quando será que vão falar sobre o nazismos e as agressões às mulheres de dentro da cena? Eu tenho reservas quanto a ver este filme, acho que por conta da minha realidade agora (alcoolatra e usuária em recuperação evitando qualquer contato com o mundo “normal” por enquanto). Mas confesso que está na minha lista.
Também já fui muito machista, já ouvi que mulher não entendia de metal e até hoje isso é um estigma pra mim quando vou falar sobre o assunto. Por eu acreditar de alguma forma naquilo que ouvia. No entanto, não vou negar que já me senti muito bem em shows de BM, e já senti que fazia parte de algo. Parei em ir em shows quando no show do Nocturnal Depression eu tive contato com MUITOS nazistas, puta que me pariu, que medo, que agonia.
Adorei seu texto e me identifiquei de forma surreal porque também passei por isso, principalmente quando você fala de ficar ouvindo Hole e Garbage ao invés de adentrar na cena, como a vida ia ser diferente. Obrigada pelo texto. ❤
Um grande abraço!
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Este texto é simplesmente a história da minha vida. Me pergunto a mesma coisa: por que não continuei ouvindo Hole e o meu Marilyn Manson de sempre? Life lessons…
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