When she talks, I hear the revolution

Desde sempre eu vi, li e ouvi homens falando de mulheres. O disco Mer de Noms do A Perfect Circle, como sugere o título, tem músicas com nomes de mulheres (Judith é minha preferida). Também tem o Aégis do Theatre of Tragedy, com o mesmo conceito, todas as músicas com nomes de mulheres (Cassandra a preferida aqui). As duas bandas possuíam mulheres na formação, mas mesmo assim, a maioria eram homens.

Cresci ouvindo que Chico Buarque entendia a alma das mulheres. Li muitos poemas do Álvares de Azevedo falando de suas musas. Milhares de bandecas com letras chorosas de caras que ouviram nãos das mulheres amadas. Vi filmes do Almodóvar que diziam retratar incrivelmente as mulheres (até concordo, um pouco). Bergman sempre colocou mulheres como personagens principais, e eu gosto bastante.

Entendo pouco de artes, mas cansei de ver quadros de mulheres, geralmente nuas, posando como musas inspiradoras. Nas artes em geral a mulher sempre pareceu ter esse papel de objeto de observação, de causadora de dor ou de uma santificação, colocada em um pedestal para ser admirada (Alanis já cantava que pedestais eram altos demais e ela tinha medo de altura).

Cito brevemente meus antigos amores: Bukowski, Kerouac e Fante. Melhor nem entrar em detalhes de como as mulheres eram retratadas em suas obras. Mas sempre como as malucas, as histéricas, as exageradas, as exigentes, as dispensáveis. Hoje consigo enxergar qualidade em seus textos, e também a nostalgia, mas o incômodo é grande.

Felizmente o tempo passou e comecei a observar melhor a arte sobre mulheres produzida sobre mulheres. Um exemplo mais recente disso é a diretora Margarethe von Trotta, que dirigiu filmes maravilhosos sobre Rosa Luxemburgo, Hildegard von Bingen e Hannah Arendt. Gravei um podcast com o Feito por Elas discutindo cada um desses filmes. É gritante a diferença do tato que existe quando uma mulher fala de outra.

Outro exemplo que gosto bastante é a diretora Agnès Varda. Um de seus trabalhos se chama Resposta das Mulheres, no qual, como sugere o título, mulheres de todas as idades falam do que é ser mulher. Lançado em 1975, ele ainda possui temas que são pertinentes hoje em dia. Aliás, tivemos grandes avanços, óbvio, mas é bastante deprimente pensar que ainda precisamos debater certas questões em pleno ano de 2017.

Desde que passei a fazer parte do Leia Mulheres eu tenho conhecido escritoras sensacionais. Com certeza leio mais mulheres, e tenho tentado dar prioridade para ler escritoras brasileiras, principalmente as independentes e/ou lançadas por editoras pequenas. A Sabrina Sanfelice gentilmente me enviou um exemplar de NósVósElasseu livro de contos publicado pela Editora Patuá.

Assim como as bandas citadas assim, cada conto possui o nome de uma mulher: Bastet, Fulana, Ella, Dolores, Maria Madelena, Imaculada, e etc. Mulheres comuns, mulheres diferentes, mulheres do dia a dia, mulheres excepcionais. Uma mulher, Sabrina, falando de tantas mulheres.

“Detesto sextas-feiras, são dias que nos convidam ao refinamento do final de semana e isso significa que todas as pessoas bem estruturadas já têm seus planos. Eu nunca tenho planos e quando minha sexta não se transforma numa narrativa floreada penso que sou realmente só”. Assim como Luci, eu também odiava as sextas-feiras, mas aprendi a lidar melhor com a solidão quando ela existe.

“Porque, por um acaso, eu não amo ninguém. Eu não durmo com ninguém, muito menos acordo. Acho horrorosa a sensação de alguém me ver dormir, sondar meus sonhos, descobrir barulhos e odores. Eu não tenho sombra porque detesto o sol. Eu nunca, nunca morreria por ninguém, até porque só tenho uma vida e se fosse me matar por todas as pessoas que achei que amei, precisaria ser um gato siamês.” Liv Ullmann falou da sensação de dormir e acordar ao lado de uma pessoa e mesmo assim se sentir sozinha. Sylvia Plath tinha nove vezes para morrer, assim como os gatos. Eu não gosto do sol, assim como Fulana.

“O melhor de ser assim é não precisar criar expectativas, não depender de um sim ou não, sucumbir por um olhar, beber para esquecer. É estar na plateia o tempo todo, sentir tudo o que é visto no palco e, ao ficar de pé e aplaudir, lembrar de que são todos atores e que aquela não é sua história, aqueles não são seus sentimentos. É apenas o fruto de sua imaginação interagindo com a ideia dos outros”. Assim como Dolores estou na plateia, antes bebi para aplacar as dores e li páginas e mais páginas de histórias dos outros. Senti nostalgia de uma vida que não vivi, a vida de Patti Smith. Enquanto que Hilda Hilst esteve no palco, até cansar e baixar o pano.

É acolhedor ler mulheres escrevendo sobre mulheres. Depois de tantas ideias erradas, de caminhos que me foram impostos, é libertador saber que mulheres são tudo, são boas, são más. Mulheres até hoje são colocadas em duas categorias, de putas ou de santas, como se não houvesse mais nada entre as duas. Demorei, mas aprendi que existem incontáveis categorias, inclusive a categoria zero, nula, de não querer ser nada. E Sabrina Sanfelice mostra parte disso em seus contos.

Imagem de capa: Judite Decapitando Holofernes, de Artemisia Gentileschi.

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