Se apaixonar por um filme ruim

Esse texto foi escrito em um caderno, na madrugada do dia 14 de novembro

Domingo eu fui ao cinema para ver Solaris do Tarkovski. Eu só tinha visto dois filmes dele, então estava curiosa para ver esse. Lembro de sentar na cadeira do cinema e pensar que fazia tempo que eu não tinha uma epifania com um filme, de ficar obcecada, criando teorias e buscando informações e significados sobre o mesmo.

Isso não aconteceu com Solaris, mas sim com uma comédia romântica bobinha. A vida às vezes pode ser bastante ridícula. A gente espera que uma obra tenha um puta significado e no fim das contas a coisa mais simples desperta em você as mais variadas sensações.

Para falar sobre isso, preciso falar brevemente da Brit Marling antes. Acho que em 2012 eu topei com o nome dela e vi dois de seus filmes, The Sound of My Voice e Another Earth. A obsessão ficou clara já ali e desde então tento sempre acompanhar seus projetos.

Sou uma das que defendem ferrenhamente a série The OA, que ela escreveu (e atuou) para a Netflix. Já me expuseram mil detalhes ruins do enredo e eu simplesmente não me importo. Assim como eu disse em meus posts sobre poesia, é algo que você sente. Muito tilelê escrever assim, mas é assim que me relaciono com arte desde sempre. Parece que liga uma chavinha e tudo faz sentido.

Mas voltando à Brit Marling, depois de ver (quase) tudo que ela criou, parti para os filmes em que ela apenas atuou. Sou completamente apaixonada pelo cérebro dela, então queria ver como ela se sairia como atriz, pura e simplesmente.

Posthumous era um desses filmes que eu tinha guardado aqui e não tinha visto ainda por puro “depois eu vejo”. Eis que vem a boa notícia de que ele estava disponível na Netflix, o que facilita muito nossa vida, convenhamos. E depois de ano alugando VHS e me preocupando em rebobinar para não pagar multa, isso é algo muito bom.

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O enredo é simples: Liam é um artista indie sofrido que passa por um fracasso artístico e é dado como morto após um incidente macabro. McKenzie é uma jornalista/escritora que está em Berlim acompanhando o namorado, que faz a linha do cara fofinho-porém-bem-escrotinho. Liam aproveita esses rumores de sua morte para alavancar a venda de suas obras. Ele se passa por Jackson, um irmão fictício do artista e passa a conversar com McKenzie, que pretende escrever sobre a vida de Liam, sua obra e sua morte trágica.

Clichê até as tampas, com casal heteronormativo, brancos, de classe média sofredora, diálogos profundos, mas nem tanto assim, e assim estava Michelle, do alto de seus 30 anos, dando gritinhos internos e chorando algumas lagriminhas de felicidade pelo casal. Eu que sempre odiei esse tipo de filme (ou fingia odiar), estou aqui apaixonada.

Além de todos os clichês divertidos, ele tem pontos que me agradam bastante, começando pela escolha dos atores. Brit Marling, obviamente. Tem algo nela que me encanta. Por trás dessa cara de americana sonsa, ela tem algo no jeito de atuar que me fascina. Eu estava acostumada a vê-la em papeis esquisitos, e nesse aqui ela se encaixou muito bem. E seu par, Jack Huston, que eu conhecia do seriado Boardwalk Empire, combinou bastante com ela, além de encarnar bem o artista sofredor.

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McKenzie é uma escritora/jornalista frustrada após uma demissão. Ela se propõe a escrever sobre um artista, para provar a todos que escreve bem. Liam é um artista que “forja” a própria morte para provar que sua obra é boa. Ambos fingindo situações para provarem pontos para os outros, não para si mesmos, e após o encontro as perspectivas mudam.

Como eu disse, clichê até não poder mais, mas acordou alguma coisa em mim, meus desencontros e primeiros amores, necessidade de provar pontos para os outros. Não é um filme excepcional e muita gente deve achar uma merda, mas para mim funcionou. Meu dia foi ruim e assisti-lo no início da madrugada me deu a sensação de que tudo vai ficar bem. E isso é bom.

Como li numa crítica no Letterboxd, não é um filme revolucionário, mas é gostosinho de assistir. E ah, é o primeiro longa da diretora Lulu Wang.

6 thoughts on “Se apaixonar por um filme ruim

  1. Oi Michelle! Que texto maravilhoso 🙂
    “A gente espera que uma obra tenha um puta significado e no fim das contas a coisa mais simples desperta em você as mais variadas sensações”, e não é assim a vida?

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  2. Oi Michelle!
    Parabéns! Comigo acontece de o filme ser demais em outra época, e hoje não vejo importância. E tem filmes que é como você descreveu.

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