You told me my name was the sea

Já falei aqui que poesia para mim é questão de identificação. Não renego regras e ordens acadêmicas (ou talvez sim), mas poesia para mim é algo que se sente. E digo mesmo tendo adorado fazer escansão de sílabas poéticas nos tempos tediosos de colégio. Demorei muito para sentir poesia, até encontrar as poetas suicidas e seus poemas doloridos. Gosto muito de como elas conseguiram transformar suas dores em palavras bonitas, encaixadas em outras palavras bonitas, criando uma imagem nova, muitas vezes uma metáfora, mas que fazem um sentido real para mim.

Poesia para mim também é coincidência. É pensar em algo, ler um poema e ali encontrar tudo que não conseguir representar. Poesias criam um imaginário na minha cabeça, quase como se fosse um quadro abstrato. Há algum tempo li um livro sobre o mar, sobre as criaturas com luzes esquisitas que se abrigam debaixo de milhões de litros de água, sob o silêncio que tampa os ouvidos. Tentei fazer uma ligação disso com a minha obsessão com a água, com as sereias (que não são doces, como os desenhos me mostraram), com o menino-sereio do filme Pieles.

02pubis

Falhei. Rascunhei num caderno, criei o tal quadro abstrato na minha mente, mas as palavras não saíram. Desde ontem tenho procurado poesia das mulheres, pesquisado nomes, revisitando amores antigos, até que me lembrei do livro Se do meu púbis nascessem asas & outros poemas, da Geruza Zelnys, companheira de mochilas e de cafés. E ela evocou meu mundo marítimo.

mitológicas e resistentes as asas
em mim
pubiana
membranosas como dos dracos
revestidas de penugens
de ossatura rara e forte
e escamosas como barbatanas ou
pele delicada de cavalos
-marinhos
serpenteando em águas salgadas
(pág. 17)

nos azuis eu enxergo melhor e você também me parece
marinho
não como corais, mas como fundo no fundo dessas águas
marinho como tinta de caneta bic quando estou-
ra no bolso da camisa branca desenhando um coração real (pág.51)

Penso também no livro A Menina Submersa, que foi uma das leituras mais densas da minha vida. A falta de clareza da personagem, as indas e vindas no tempo, a figura da mulher misteriosa coberta de algas e com cheiro de mar. Alguns poemas da Geruza me trouxeram essa mesma sensação e eu gosto demais de fazer essas ligações entre as artes que me inspiram.

Ainda sobre ligações, lembro de Sirenum Scopuli, música da Chelsea Wolfe. De acordo com Virgílio e Ovídio, Sirenum Scopuli eram três pequenas ilhas da mitologia grega onde as sereias viviam e atraíam marinheiros para a morte. Sou de peixes, a água está presente em minha vida a todo momento.

Mas para além das águas…

Sempre li poesia correndo, com o coração acelerado, a voz rápida dentro da minha cabeça. Até começar a ver vídeos da Sylvia Plath e da Anne Sexton declamando seus poemas de forma pausada. Lembro da Geruza lendo “elegia à cinderela” com a voz cautelosa e me obrigo a diminuir o ritmo. Esses versos merecem calma.

fada rasgada
amputada de bolsa ou brinco
descalça
também
na escadaria de lugar nenhum
(págs. 11-12)

Geruza busca figuradas do passado, amores antigos e talvez atuais. Coloca a mulher num patamar feral, de jeito felino, leoa. Seus poemas me transpareceram dor, força, intensidade e outras tantas figuras que consegui formar. Mas como eu disse, poesia é algo pessoal, ela toca cada pessoa de uma forma. Ou não toca de forma alguma, e tudo bem, certas pessoas não nasceram para a poesia, assim como não nasci para a comédia.

eu gastei meus dedos contando
claustrofobias (pág. 69)

Crédito da imagem de capa: C.R. Jones

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